Por uma concepção não-cristã de Deus

Eugenio Lara

A questão da fatalidade e do livre-arbítrio, liberdade x destino, ou melhor, a questão histórica no âmbito da filosofia, do “Livre-arbítrio x Determinismo” depende, em muito, da concepção que se tem de Deus e de sua ação ou não no Universo, com Deus ou sem Deus.

O Espiritismo possui condições conceituais para avançar e contribuir nessa questão se conseguir se libertar das amarras teológicas e dogmáticas do cristianismo. Ainda que a ética espírita seja a própria superação histórica e filosófica da ética cristã, Allan Kardec linkou, vinculou o Espiritismo ao Cristia-nismo não somente sob o ponto de vista conceitual, histórico, mas, sobretudo, na linguagem. Basta ver os termos usados em O Evangelho Segundo o Espiritismo, recheados de referências ao cristianismo, especialmente do catolicismo.

Todavia, dada sua natureza universalista, é preciso repensar o Espiritismo sem compromisso algum com o cristianismo ou outra religião qualquer. A concepção de um Deus espírita não é mono-teísta nem politeísta, não é panteísta nem dogmática, não se limita à sua transcendentalidade. A concepção que o Espiritismo tem de Deus poderíamos denominar de panendeísta, conceito a ser desenvolvido com mais profundidade.

Os termos panenteísmo, panenteísta foram criados pelo filósofo alemão Friedrich Krause (1781-1832), a fim de designar uma concepção da divindade que seria ao mesmo tempo panteísta e teísta. O Teísmo aceita a transcendência de Deus, mas descarta sua ação no mundo. O Deus teísta é inativo, ocioso, não condena nem perdoa, Ele simplesmente não se manifesta. Já o Panteísmo, como sabemos, vê o todo, a criação e a criatura integrados em Deus, numa substância e significação úni-cas, compondo assim, com Ele, uma condição de imanência, de abrangência cósmica.

Krause criou a palavra panenteísmo para designar a concepção que associa o Panteísmo ao Te-ísmo. Cabe lembrar que o grande filósofo espírita espanhol Manuel González Soriano (1837-1885), autor do clássico El Espiritismo es la Filosofia, era krausista convicto.

O Espiritismo rejeita o Teísmo porque é deísta ao admitir a ação divina através de suas leis, concebendo Deus como Inteligência Suprema, Causa Primeira. Deus é algo transcendente. O Espiri-tismo admite a transcendência de Deus sem descartar, contudo, sua imanência. N’ A Gênese, aquela tentativa de se entender Deus como se fosse uma substância, um fluido que impregna a tudo e a todos, demonstra que a concepção espírita não descarta a imanência divina.


Em suma, o Espiritismo concebe Deus como um algo transcendente e imanente ao mesmo tempo, daí o termo Panendeísmo (adaptado do termo criado por Krause) que dá conta da significa-ção e da conceituação de uma Inteligência Suprema imanente/transcendente.

O que nos leva à ideia de que não há determinação divina nos atos da vida humana, dos espíri-tos que são livres e sujeitos tanto àlei de causalidade como o que chamaríamos delei de casuali-dade, onde tanto causas morais como o acaso influem no processo existencial, outra tese ainda a seraprofundada.

Isto posto, a ideia ingênua, mágica de um “plano superior” que nos dirige, que há um Deus com seus arcanjos presidindo suas próprias determinações divinas, influindo em nosso destino, ora, essa ideia cristã não se sustenta sob a ótica de um “Deus” que oportuniza a liberdade, o desenvolvimento do livre-arbítrio através da lei da evolução, de outros processos que tendem ao crescimento e ao desabrochar das potencialidades do princípio inteligente, ao longo de suas existências. Isso a partir dos reinos inferiores da natureza até o cume dos processos evolutivos, na condição de espírito puro, “liberto” plenamente do processo reencarnatório ou, como dizem os orientais, livre do Karma, da “Roda da Reencarnação”.

O acaso influi em nossa vida muito mais do que imaginamos. É necessário rever alguns con-ceitos concebidos em uma época em que o paradigma científico era outro: newtoniano, cartesiano. Com o advento da teoria da relatividade, do estudo das partículas, da Física Quântica, o paradigma é outro.

Há tantas causas que influem em um mesmo efeito que é quase impossível determinar o nexo causal de determinado fenômeno, ao ponto de alguns físicos conceberem a estranha ideia de que há efeito que não tem causa (?!). Ou de que haveria universos paralelos, onze dimensões na Teoria da Supercordas e outras teses que contrariam totalmente a física newtoniana em que se baseou Allan Kardec para desenvolver as categorias espíritas e sua cosmovisão do ser e do universo.

Eis um tema que merece ser desenvolvido, a fim de oferecermos à sociedade uma concepção espírita de Deus que não seja contaminada pelo religiosismo, pelo fanatismo, o dogmatismo, a fé cega, enfim, uma concepção não-cristã de Deus.

Eugenio Lara , arquiteto e designer gráfico, editor-fundador do site PENSE – Pensamento SocialEspírita. E-mail: Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.

Os artigos desta coluna baseiam-se em estudos e pesquisas desenvolvidos pelo CPDoc. www.cpdocespirita.com.br / Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.

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