Denizard Rivail e o Trademark Espírita

Eugenio Lara

Em debate pela internet, um companheiro estudioso do Espiritismo propôs a seguinte ques-

tão: “Você concorda com a tese de que Kardec devia ter patenteado a palavra espiritismo e as-sumido que estava criando uma escola interpretativa pessoal?” , que passaremos a responder aseguir.

A palavra patentear, certamente, não é a mais adequada para o caso. Antes de Denizard Ri-vail, a palavra espiritismo já havia surgido no inglês, mas em sentido pejorativo. Os neologismos no francês, spiritisme e spirite, spirites, Rivail criou e fazem parte da terminologia espírita, desde 1857. A “criação” e o uso dessas palavras para designar e definir aquele conjunto de ideias que Ri-vail reuniu/formulou, ressalta o fato de ele ter imprimido a sua marca como fundador de uma nova filosofia espiritualista, como ele próprio assim a definiu.

Rivail sempre negou que sua obra fosse estritamente pessoal. De início, em parte por extre-ma modéstia e, de outra por convicção mesmo, porque sempre afirmou que a Doutrina não era dele, mas dos espíritos. Essa visão ele reavaliou, revisou e, contrariando tudo o que havia dito anterior-mente, Rivail assume o seu papel de fundador da teoria espírita, podendo, portanto, por esse fato, dar-lhe a forma e o rumo que quisesse. Basta conferir em Obras Póstumas. O mesmo procedimento adotou em relação à tese de Darwin, com sua célebre teoria da evolução, já que por muito tempo Rivail fora lamarckiano e adepto da ultrapassada tese da geração espontânea.

O grande astrônomo Camille Flammarion, de modo ousado, ao pé de sua tumba, no discurso fúnebre, acusou Rivail de realizar obra pessoal, questionando seu caráter científico e a suposta comprovação da imortalidade. O jovem astrônomo tinha toda a razão. Rivail não dividia informa-ções e conceitos com seus pares, como fazem os cientistas. Sua postura foi mais pedagógica do que científica, também agindo como editor e comunicólogo. Realizou obra individual, personalizada, centralizada em torno de si mesmo e penso que foi melhor assim, a fim de que o Espiritismo pudes-se ter uma certa unidade conceitual. Tal argumento é do próprio Rivail em Obras Póstumas, no

Projeto-1868 .

Denizard Rivail foi coerente com seu pensamento e nunca se apropriou de ideias que não e-ram suas. A reencarnação, por exemplo, ele discordava, não aceitava e, após longos debates com os espíritos, acabou admitindo-a como um dogma, no sentido filosófico. Não seria, portanto, honesto de sua parte dizer que todo aquele conjunto de ideias teria saído de sua mente, de sua imaginação, como ocorreu com Karl Marx em relação ao Marxismo. Por isso evitou as palavras kardecismo, kardecista.


O Espiritismo é fruto de um trabalho interativo, de parceria, onde Rivail, pelo fato de estar encarnado e ter a lucidez que falta a quem fora está do dia-a-dia do contexto histórico e social, era, portanto, o espírito mais lúcido e capacitado para a tarefa a qual se propôs.

Não tenho dúvidas de que ele foi o fundador/codificador do Espiritismo, não somente por suas próprias palavras, mas por todo o conjunto da obra, bastando acompanhar o seu desenvolvi-mento através da Revista Espírita e periódicos da época, muitos hoje disponíveis em formato digi-tal.

Isto posto, não vemos como faria tanta diferença assim se ele assumisse, conforme suas pa-lavras (Quintella), “que estava criando uma escola interpretativa pessoal”. E os espíritos, são des-cartáveis, meras fontes de informação? Sim, era assim que ele os via, mas não somente assim, pois havia uma relação de confiança, amizade e deferência para com espíritos como O Espírito de Ver-dade, São Luís e Santo Agostinho, apenas para citar três dos mais ativos no processo de estrutura-ção do Espiritismo. Isso sem esquecer do bonachão Zéfiro, seu espírito protetor.

Em suma, o tempo demonstrou que o fato de Rivail não ter “patenteado” as palavras espiri-tismo e espírita não fez a menor diferença. No inglês, tinham um sentido pejorativo, para designar práticas que destoavam do padrão do Spiritualism, adotado pelos norte-americanos e ingleses. Riva-il deu-lhes outra acepção, outro sentido, com toda a seriedade e profundidade que a questão merece. O mesmo ocorreu com as palavras sufragistas e impressionistas, de sentido inicial preconceituoso, mas que se tornaram, ao longo do tempo, termos adequados e de uso comum, absolutamente sem nenhum significado pejorativo.

Hoje, ninguém se lembra de quem usou a palavra pela primeira vez com o sentido deprecia-tivo que possuía originalmente. Ora, espiritismo e espírita são palavras que fazem parte do trade-mark espírita. Trata-se de um patrimônio doutrinário, da tradição histórica do pensamento espírita,desde que surgiu com o lançamento de O Livro dos Espíritos.

Eugenio Lara é arquiteto, membro-fundador do CPDoc, editor do site PENSE - Pensamento Social Espírita e autor de

Breve Ensaio Sobre o Humanismo Espírita .E-mail:Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.

Os artigos desta coluna baseiam-se em estudos e pesquisas desenvolvidos pelo CPDoc. www.cpdocespirita.com.br / Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.

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