REPENSANDO O PRESÍDIO! - Jornal Abertura 2019

Jacira Jacinto da Silva


É muito natural que as pessoas reajam negativamente frente aos episódios dantescos ocorridos nos presídios brasileiros, que desnudam a difícil realidade do sistema e não deixam de demonstrar a heterogeneidade da população. 

Se de um lado pessoas esquartejam outras, desfilam com inúmeros braços e pernas avulsos e se divertem jogando, utilizando a cabeça de seu semelhante como pelota, de outro também vemos exemplos de desprendimento, de confiança e amor ao semelhante.

Certamente, vivendo em mundo de expiação e provas, estamos muito próximos dos mundos primitivos, sendo perfeitamente compreensível a coexistência entre espíritos de diferentes níveis evolutivos, prevalecendo, porém, as más tendências. Cada ocupante deste planeta encontraria, se quisesse, motivação abundante para vencer suas inclinações ruins, sendo recorrente o apelo à vantagem indevida, à maledicência, à gula, e a uma infinidade de vícios.

Entrementes, com maior ou menor dificuldade, quase toda a população se mantém equilibrada, variando, evidentemente, os parâmetros de legalidade, de ética e moralidade que norteiam cada um de nós. Há uma pequena parte dos habitantes deste planeta, porém, que não consegue pautar sua vida nos limites mínimos de legalidade, resvalando para a criminalidade vigorosa. Parte dessas pessoas termina nos presídios.  

  Existem muitos fatores que agravam a situação carcerária, mas talvez devêssemos refletir sobre quatro pontos extremamente relevantes:

  1. Existem muitos crimes, cuja natureza impõe outro tipo de pena, diversa da  privação de liberdade (crime ambiental, por ex.). A Justiça Restaurativa propõe a alternativa da correção do malfeito. Autor do delito e vítima podem solucionar a querela por consenso, de forma que o infrator aceite fazer algo de bom e reparar o que estragou.
  2. Existem infinitas motivações para uma pessoa cometer crimes, dentre elas, problemas financeiros, de saúde mental, desequilíbrio familiar, desavença no trabalho etc. Nem sempre o criminoso é um bandido, pode ter cometido um delito circunstancialmente.
  3. Alguns criminosos, em razão do alto grau de periculosidade, não podem conviver com a população carcerária em geral. Aqueles são a minoria absoluta dos presos, enquanto os demais têm plenas condições de participar dos programas de ressocialização.
  4. Presos são pessoas, fato que “ninguém” quer admitir. Além disso, no Brasil a pena mais grave prevista na legislação é a de privação da liberdade. Sendo assim, as pessoas condenadas têm o direito de não receberem qualquer outra punição com o objetivo de agravar a sua pena, como sofrer castigos físicos, ser torturadas, comer comida estragada, não comer, dormir no chão etc. Não existe pena de maus tratos, trabalho forçado, ou qualquer outra que caiba na definição de “penas cruéis”.


Disseminar essa compreensão na sociedade não é fácil, pois há um consenso generalizado de que “bandido bom é bandido morto”.  Notem que nessa expressão cabem todos os condenados, independentemente do estudo acima mencionado. Outros estigmas foram criados, a começar pela hostilização banal aos defensores dos direitos humanos, como se a defesa dos direitos das pessoas, indiscutíveis já que são direitos, causasse algum mal a alguém.

Mas quando essa questão chega na casa espírita, a conotação deve ser outra. Não pode ser crível que pessoas estudiosas da filosofia espírita, essencialmente humanista, possam embarcar nessa nau da ignorância, do rancor e do desejo de vingança que vicejam fácil pela sociedade.

A proposta da Justiça Restaurativa muito se aproxima dos conceitos espíritas, sugerindo, ambas as filosofias, oportunizar a quem errou a possibilidade de reparar o equívoco ao invés de aplicar mera punição. Esse deve ser o caminho, pois o mero castigo tem gosto de vingança e a Filosofia Espírita não se compatibiliza com esse sentimento.


Jacira Jacinto da Silva  - membro do CPDoc e Presidente da CEPA – Associação Espírita Internacional. Reside em São Paulo


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