Um dos assuntos mais comentados entre os estudiosos do Espiritismo é um conceito elaborado por Allan Kardec denominado Controle Universal do Ensino dos Espíritos. Interpretações sobre esse conceito são, constantemente, objeto de discussões entre os espíritas sobre sua real natureza e finalidade.
Alguns segmentos do Espiritismo brasileiro desenvolveram uma interpretação particular sobre o controle universal que se tornou muito popular, quando estes conseguiram ampla divulgação de suas posturas, pela internet, no início dos anos 2000, com a ascensão das redes sociais. Essa interpretação define o controle universal como um método que seleciona as teorias que podem ou não ser consideradas integrantes da Doutrina Espírita. De acordo com essa concepção, as obras fundamentais do Espiritismo, especialmente O Livro dos Espíritos e O Livro dos Médiuns, foram elaboradas por esse "método de aferição"que consistiu nos seguintes passos: Após acumular um número grande de comunicações, de autoria de vários espíritos, com o concurso de diversos médiuns, passou-se a uma análise das teorias apresentadas, em cada mensagem, em seguida, as que apresentavam contradições eram eliminadas e as concordantes eram selecionadas e finalmente publicadas.
Esse conceito constitui um equívoco de interpretação que não encontra justificativa no pensamento de Kardec, em cuja obra o controle universal é claramente definido como um critério, jamais como um método.
Esta crença não é consistente com a realidade. Sobre o primeiro passo, por exemplo, é sabido que Kardec possuía uma boa quantidade de textos, obtidos junto aos seus círculos de pesquisa, mas que ainda estavam longe de ser algo que pudesse ser considerado como universal, oriundos de diversas localidades do mundo. Nos primeiros anos de suas pesquisas, Kardec ainda não era tão famoso a ponto de contar uma rede ampla de colaboradores. Isso ele adquiriu depois, com a publicidade obtida com aRevista Espírita e a segunda edição de O Livro dos Espíritos. Somente em março de 1864, que na Revista Espírita, Kardec declara que havia acumulado um grande número de comunicações,sobre os mais variados assuntos, oriundas de aproximadamente mil centros espíritas de diversas partes do mundo.
Além disso, não seria possível prever em quanto tempo iria se adquirir, sobre uma determinada teoria, um consenso de opinião por parte dos espíritos. Esperar por isso poderia levar anos, sem produzir uma explicação sobre um ponto específico. Kardec inclusive, era consciente disso, e resolveu dar publicidade a várias teorias apresentadas pelos espíritos na Revista Espírita, até que adquirissem a confirmação ou refutação, no futuro, pelo critério do controle universal.
O controle universal é, portanto, um critério sem época ou momento definido para ser utilizado, até que que se obtenham, em um tempo futuro, comunicações espontâneas de
diversos médiuns e espíritos, suficientemente hábeis em quantidade e variedade, que possam confirmar ou refutar a hipótese apresentada, conforme Kardec elucidou em O Evangelho segundo o Espiritismo:
"Essa verificação universal constitui uma garantia para a unidade futura do Espiritismo e anulará todas as teorias contraditórias. Aí é que, no porvir, se encontrará o critério da verdade.".
O procedimento metódico de Kardec funcionava da seguinte maneira: durante o processo de seleção de comunicações mediúnicas, outros dois critérios eram utilizados, o da coerência com os princípios fundamentais do Espiritismo e o da razão e do bom senso. Após esta etapa, realizava a publicação das teorias apresentadas nas mensagens, aguardando que recebessem, no futuro, o aval ou a refutação pelo critério do controle universal.
Constitui, portanto, um equívoco pensar que O Livro dos Espíritos e O Livro dos Médiuns foram elaborados através deste controle, pois na verdade, depois de concluídos,contendo seus princípios e teorias, é que ficaram prontos para serem, então, analisados por este critério. Algum tempo depois, diante das comunicações obtidas, em diversos centros, pelos seus colaboradores, o controle pôde ser aplicado para ver se as ideias, presentes nas duas obras, encontrariam consenso universal. Sobre isso, em 1864, Kardec comentou em O Evangelho segundo o Espiritismo:
"O que deu lugar ao êxito da doutrina exposta em O Livro dos Espíritos e em O Livro dos Médiuns foi que em toda a parte todos receberam diretamente dos Espíritos a confirmação do que esses livros contêm.".
Em 1868, em A Gênese, Kardec é ainda mais explícito ao afirmar que a consolidação pelo critério da concordância só ocorreu com o passar do tempo, em relação às teorias apresentadas em O Livro dos Espíritos:
"O Livro dos Espíritos só teve consolidado o seu crédito, por ser a expressão de um pensamento coletivo, geral. Em abril de 1867, completou o seu primeiro período decenal. Nesse intervalo, os princípios fundamentais, cujas bases ele assentara, foram sucessivamente completados e desenvolvidos, por virtude da progressividade do ensino dos Espíritos.".
O critério do controle universal ainda mostra sua força, na atualidade, pois é possível encontrar no pensamento de autores contemporâneos, como Habermas, concepções semelhantes sobre formas de se resolver o dificílimo problema da constatação da verdade. A concepção deste critério foi uma estratégia inteligente de Kardec, que permitiu ao Espiritismo manter uma unidade doutrinária, situação na qual outros movimentos baseados nos ensinos dos Espíritos, como o Espiritualismo Moderno americano, não obtiveram sucesso, comprovando a sua finalidade na garantia da coerência doutrinária.
Herivelto Carvalho , servidor público; Membro do CPDoc; Delegado da CEPA em Ibatiba ES; Membro da Associação Caminhos para o Espiritismo. E-mail: Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.
Os artigos desta coluna baseiam-se em estudos e pesquisas desenvolvidos pelo CPDoc. www.cpdocespirita.com.br /Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.